domingo, 16 de setembro de 2012


A Casa da Praia

       A minha relação com a praia de Imbé vem desde os tempos em que Tramandaí bombava pra mais, na década de sessenta. Meus tios tinham ou alugavam casa em Imbé, e a gente ia junto.
       Num determinado momento, a minha mãe, que nunca foi exatamente chegada a praia, resolveu fazer ali a sua casa de. Mais empolgada com a própria arquitetura do que propriamente com o deleite, esteve envolvida com a obra enquanto esta existiu. No que virou casa, magicamente, e por graças de não saber dirigir, acabou deixando de ir.
      Eu e meus filhos percorríamos praias pelo Brasil afora. De Santa Catarina à Bahia, com boas passagens, e eventuais moradas, pelo Rio.
      Até que, de poucos dias que passávamos pela praia gaúcha, começamos a aproveitar a estadia. Afinal, ter uma bela casa à disposição, muitas vezes valia a perda das belíssimas paisagens e das aventuras em outros pagos. E a casa servia tanto ao verão quanto ao inverno. Isto é, quando fazia frio e chovia, e isto acontecia seguidamente no verão, coisa que com a mudança climática deixou de, a gente tinha a impressão de estar numa casa na serra. Com enormes janelões que levavam a vista quase até o mar, era uma experiência feliz ficar ali tomando vinho, ouvindo jazz e outras maravilhas, fazendo comidinhas especiais, conversando, vendo filmes, e, principalmente, fugindo da turba ignara.
    Tudo um paraíso, ou uma filial dele.
    Até que a vida mudou, o meu roteirista particular resolveu dar uma sacudida em tudo, e meu filho cresceu; isto é, o último pássaro abandonou o ninho.
    O pesadelo chegou, o dia virou trevas, todos os horrores, até porque na última vez em que lá estivemos, eu já havia começado a sofrer de uma doença da qual precisei fazer uma cirurgia dolorosíssima no meio daquele ano, e no final me apareceu uma outra braba, e a minha mãe se foi para sempre.
    E nem sei como, ao chegar o novo verão, eu tive que me decidir a ir para lá ou ficar em Porto Alegre. O que não faria qualquer diferença no sentido da minha solidão. E desespero. E medo.
   
    Como sempre entendi que as doenças se iniciam em nosso espírito, pelo menos uma grande parte delas, nada mais natural do que procurar ajuda nessas instâncias, o que sempre fiz. E, dessa vez, a ajuda veio do Centro Tupy-Iara do Rio. Antes de ir para a praia, sozinha, mandei a tal cartinha dando o endereço da casa da praia para que eles marcassem a cirurgia astral.
    A casa da praia era tão grande, que mesmo a dois dava medo. Era tempo de muitos assaltos no litoral. No inverno, os caras entravam nas casas e levavam tudo, então não se podia deixar lá nada que prestasse. E no verão, havia pequenos furtos, se houvesse bobeira.
    A casa era tão grande que, mesmo sem muita imaginação, qualquer pessoa poderia ficar com medo de se confrontar com algum fantasma.
    Então, só, achando que poderia estar com câncer, além de estar com medo de encontrar fantasmas – que dizem que casas que ficam longo tempo abandonadas, e principalmente se ali houver uma escada no centro, e era o caso –, eu estava prestes a receber uma grande quantidade de espíritos que viriam para me salvar. Nem preciso dizer o que eu sentia, ainda mais que, ao me preparar para a cirurgia astral, tinha que apagar um pouco as luzes e o quarto ficava muito parecido com uma sala no centro espírito aonde eu tinha começado a ir em busca de cura ainda na cidade, e que parecia ter umas listras luminosas em suas paredes.
   A minha sorte, ou a minha loucura, é que eu tanto aceito a minha covardia quanto tenho uma desgraçada mania de saber e ver o que está acontecendo no lado em que nem sempre se pode ver.
   Então, sabe aquele negócio do “relaxa e goza”? Bem, quando não há mais nada a se fazer, que remédio.
   Deixei a indiada do outro lado chegar. E, segundo a carta, viria gente muito graduada pra resolver o problema.

   Segui tentando ir à praia e descobrir alguma coisa na solidão, e alguns dias depois, para limpar a casa e até exorcizar pessoas que passaram por lá e deixaram as coisas meio caóticas, fiz uma bela faxina.
   Naquele fim de semana – passava um carro com alto-falante anunciando – haveria uma banda cover dos Stones num bar. Stones nessa praia doméstica e sem graça? E cover dos Stones era a banda de um amigo meu. Fiquei feliz e me fui.
   Tava no balcão, depois de descobrir que só no Rio Grande do Sul haviam pelo menos três bandas covers dos Stones, e aquela não era a do meu amigo, quando ouvi algo como um concurso... de dança, com o prêmio da obra completa dos caras. Meio sem graça e vontade, num bar daqueles em que há meia dúzia de pessoas sem a mínima intenção de fazer amizade com ninguém, o que me restava? Ah, tomei um gole de bebida e, meio por obrigação, fui para a pista.
   Voltei para casa com o prêmio, claro.
    Dias depois, com tanta agitação da faxina e pela dança, ou pela cirurgia astral, sangrei como esfaqueada.
    Um bom tempo depois, quando voltei a Porto Alegre, o possível tumor havia desaparecido.

    Mas enquanto estive lá, seguidamente abria armários com cheiro de produtos para a madeira e teias de aranha, vasculhava cantos, auscultava os vazios, e no fundo sabia que meu pai estava rindo de mim lá do outro lado. Afinal, quem é que inventou que espíritos vêm te puxar pelos pés? Porque os pés? Que graça isso teria pra eles?
   Naquele verão, a coisa foi punk. Eu não entendia.
   Com exceção da cura, ainda iria ficar muito pior, infinitamente. E depois, surpreendentemente melhor. Absurdamente. Inexplicavelmente.
   Perdi uns pedaços, o necessário.
   O necessário para me recompor. Para me refazer, para fazer o que sou, o que devo ser.  
   E entendi que a independência do filho também é necessária a ele, para que se torne o que deve ser.
   Mas isso foi muito depois.  

domingo, 31 de janeiro de 2010

           Imbé, quase chegando!...                                           

quarta-feira, 15 de julho de 2009


Projeto Ideiafix

Se vires alguém cortando uma árvore, liga pra SMAM: 3289 7541 ou 42. Em Porto Alegre. Se não estiveres aqui, descobre aí na tua cidade quem é a Cavalaria Verde.
A ganância - que será castigada na próxima encarnação - anda querendo comer todo o verde que encontra pela frente. O Morro de Santa Teresa corre perigo! Attention!

E se quiseres dar uma força pros caras que estão dormindo na rua, na Voluntários da Praia 359, tem cobertor a 13 pila e pouco. Não tô ganhando comissão por conta dos miseráveis, óbvio.Pros cachorros, pega a manga de um blusão velho e corta, não tem mistério. Caixa de papelão enrolada com plástico também quebra o galho pra uma casinha pros bichos.
Essa dica fica por aqui pois tem muita gente que sai de Porto ou arredores para ir a Imbé.

terça-feira, 14 de julho de 2009


Preserve a grama... é dose!




Estatuto do Turista

Acho que todo mundo que chega num lugar mais selvagem, e por selvagem quero dizer: aonde a natureza predomina, deveria ter algumas coisas bem claras na cabeça, e em não as tendo, receber algum prospecto para lhe pôr a par das tais coisas. Como prospecto significa papel, e papel significa árvore (ainda não chegamos a esse ponto de reciclagem), resolvi postar aqui algumas sugestões. Mas se alguma prefeitura bancar algo no gênero, será muito elogiada. Nas próximas gerações, pelo menos. Pode apostar.

Algo como uma Tábua de Mandamentos:
(não pretendo me arvorar em deusa, mas, como diz o Veríssimo, o Luiz Fernando, se a gente não tiver uma certa megalomania, não faz nada)

1 – estacione o carro na garagem e só volte a pegá-lo para a volta.
2 – ande de bicicleta, ou a pé. Vai voltar sarado, sarada que é uma beleza.
3 – de prioridade às coisas leves como vegetais, peixes, esqueça o indigesto churrasco.
4 – faça amigos, conheça pessoas, não se feche com aqueles que você vê o ano inteiro, e todos os anos inteiros...
5 – trate a praia, a cidade inteira, como a sua casa. Vejo absurdos das pessoas jogando colchões, pneus, poltronas, tudo... nos riachinhos, mas a sua grama... é uma maravilha!
6 – não atire seus móveis na frente de sua casa – para que os pobres cavalos tenham que levar seu lixo até o riachinho mais próximo ou terreno baldio.
7 – não jogue toco de cigarro na praia, leva no mínimo 50 anos para desaparecer.
8 – procure entrar no mar sem brincos, braceletes, grampos, etc. Os peixes não aguentam mais serem sufocados com tanta porcaria. Aliás, ir para a praia cheia das bijus, cá pra nós, que baita breguice, né?
9 – não ache bonitinho se seu filho inventar de ficar torturando caranguejos com alfinetes ou peixinhos em sacos plásticos. Tem outras maneiras dele entrar em contato com a natureza (que não seja devastando...)
10 – e por favor!!! Se por algum acaso, por pura necessidade, tiver que sair de carro (não até o supermercadinho da esquina da sua casa, espero), DIMINUA A VELOCIDADE!!! Você sabia que, por conta da sua imprudência, as crianças que são obrigadas a viver dentro de apartamentos o ano todo, quando estão na praia, nas férias, não podem aproveitar a natureza, e NEM FAZER NOVOS AMIGUINHOS por que PODEM SER ATROPELADAS? por você!??? E tá sabendo da enorme quantidade de cachorros e gatos que morrem ou ficam aleijados em cada veraneio?...

Já chegamos nos 10.
Só mais 3:
11 – ainda sobre carros, vou contar nos próximos uma história que aconteceu em Imbé e que tem a ver com bicicleta. Mas já vou adiantando: por falar em breguice, não tem ridículo maior do que a moçada sair de carro, de casa (no máximo algumas quadras) para se exibir atrolhando de carros, chegando a ficar uns três, um por cima do outro, as ruas, os cômoros e as calçadas, só para se exibir, para garantir o par. Cá pra nós, será que quem se sente atraído pelo seu carro, em vez de por você... vale a pena?
12 – já experimentou ler algum livro em vez de só ficar jogando futebol? E, se ficar só jogando futebol, daria para respeitar o espaço de quem chegou antes e está lendo um livro, sem ter que levar bola na cara, e nas suas coisas na toalha? Mesmo que esse alguém seja APENAS uma mulher?...
13 – finalmente, não deixe a praia como a encontrou. Deixe-a... MUITO MELHOR!

Um dia (no futuro, ou em algum reino distante), alguém vai ler isso e pensar: Nossa! Se de fato tudo isso acontecia, como o povo daquele tempo era atrasado!
Ou vai achar que esta é uma ficção de mau gosto. Tomara!

terça-feira, 7 de julho de 2009

Free way

Depois de toda aquela coisa traumática, que é arrumar as coisas e fechar a casa, lembrando de trazer cada item – que nos garantirá um perfeito veraneio! (desculpem, é o hábito dos comerciais) –, entramos na free way.
Que já foi, em outros tempos, estradinha maneira de chão batido, na qual se ia encontrando aquelas tendinhas que vendiam rapadura, melado decente e até chapéus. Agora, a gente sai – e nem precisa lembrar – tendo uma panorâmica de uma imensa favela, com suas crianças famélicas, seus cachorros tristes e seus cavalos maltratados. Tá, mas quem mandou olhar para esse lado, ora bolas? Do outro, tem um magnífico pôr de sol, aliás, o mais bonito, não é? (e... de novo, nossos comerciais).
Tudo bem, logo virá a Lagoa dos Barros e outra vez contaremos para as crianças (que não estão mais conosco, já que ficaram em Porto Alegre ou foram para a Ferrugem, e têm mais de vinte anos) as mal assombradas histórias da Lagoa. Da noiva que se afogou ali, com fusquinha e tudo, e hoje passeia impávida pela sua superfície sem sequer molhar os pés... Com sorte, poderemos ver, quem sabe, seu noivo, vagando e lamentando a perda da amada pelas suas margens.
Nenhuma dessas “histórias de terror”, entretanto, consegue se comparar ao macaquinho que acabo de ver, se arrastando em transe, com a pele de seu corpinho rasgada, queimada, no acostamento. Me parece que um de seus olhos sangra, mas o carro está a mil e não podemos parar sob pena de provocar um tremendo acidente. Fico puta e penso “pra que aumentarem ainda mais essa free way? Porque tiraram mais uma fatia do mato? Isso significará mais mortes de animais inocentes, e ajudará a aumentar o buraco na camada de ozônio, pois, além da perda da mata, mais carros...
E a coisa só piora. Agora é um cachorro, que para uns momentos à nossa frente, apavorado. Felizmente, a motora é boa, não vinha nenhum carro tão próximo e conseguimos travar. Só que... olha ali, ao lado: é um gato? um cachorro? quantos mortos na estrada...

Um carro passa como um vento ao nosso lado. Tento ver a idade do motora. Jovem? não, um senhor de meia idade. Obeso, levando a família obesa. Penso no exemplo que está dando para seus filhos. E logo me vêm à mente um fato que fiquei sabendo esses dias, conto para a motora. Em alguns países da Europa, jovens aproveitaram suas férias para construírem túneis, para que os animais das matas próximas pudessem passar a salvo para o outro lado. E as beiras da estrada ainda ficam cercadas.
Êta povinho, esse nosso!...

Mas olha que Tramandaí está chegando. E logo cruzamos a ponte para Imbé.